Ilustração: Ruy Barros
Aproveito sua ausência pra matar as saudades de mim. Nem me lembrava do quanto posso ser doce, de como é gostoso acarinhar minhas carências e fazer minhas vontades.
Acho até que o destino cansou de me contrariar.
Ok, você sabe que não acredito em destino... Mas se acreditasse, escreveria um bilhetinho agradecendo a trégua dos últimos dias.
‘Senhor Destino, valeu o cessar fogo. Vamos poupar artilharia e promover a paz.’
Não que as coisas estejam em ritmo de final de novela. Ainda tem meia dúzia de personagens me incomodando e alguns arremates que preciso ajustar pra ficar satisfeita com o enredo.
Meu cabelo podia ser mais liso, meus textos mais engajados e você mais receptivo. Mas não tô reclamando, não. Ao contrário, ando flertando com as minhas qualidades e gostando mais de mim.
A ansiedade continua aqui, só que mais comportada. Vira e mexe me cutuca e ameaça birra. Aí dou bronca e ela senta cabisbaixa, com as perninhas balançando no ar.
Hoje de manhã acordei com o passado chutando a porta. Ameacei chorar. Pensei em voltar atrás, jogar pro alto a evolução e a placidez dos últimos dias. Corri pro espelho e ele me confidenciou que sou mais bonita sorrindo. Resolvido: sorri ao invés de berrar e escapei de ouvir ecos dos meus gritos.
Viu? Ainda sei me virar sozinha, embora você me vire do avesso como ninguém. Vai ver é esse o problema: não quero viver do avesso.
Dei carinho, apoio e espaço. Mas você é exageradamente adepto da calma. Corro o risco de receber sementes ao invés de flores.
Quer saber? Me importo, mas não me inflamo. Toma, um sorriso pra você também. Tô muito mais preocupada comigo, em manter os bons ventos que a vida anda soprando.
O que uns chamam de egoísmo, eu chamo de paz.